Quem mora em São Paulo e anda pelo centro da cidade vê de tudo por ali, especialmente nos arredores da Rua Santa Efigênia. Qualquer pessoa encontra por ali uma gama de produtos que vão dos originais, completamente dentro da lei, até aparelhos adulterados, ilegais e falsificações de vários tipos que configuram prática criminosa.
Entre os mais populares, estão os TV Box e conexões IPTV, com a promessa de recepção de conteúdo dos canais pagos. Basta andar na calçada para que alguém ofereça algo assim, cujo catálogo inclui filmes, eventos esportivos, conteúdo adulto e um oceano de programação.
Ninguém é tão ingênuo de achar que, ao vender ou comprar algo assim, não está fazendo nada errado. No entanto, há quem alegue ignorância sobre esse tipo de prática ser classificada como crime. O que faz a diferença e atrai cada vez mais pessoas é o valor cobrado, muito abaixo das mensalidades das operadoras de TV por assinatura. Para se ter uma ideia, as organizações que colocam esses aparelhos no mercado cobram menos de R$ 30,00 por mês, para acesso a cerca de 80 mil canais de TV e rádio do mundo todo.
O que é TV Box e IPTV?
Os aparelhos TV BOX e as conexões IPTV são, respectivamente, o dispositivo e a tecnologia que permitem acessar conteúdos televisivos através da internet. Internet Protocol é o famoso IP, que é a identificação da conexão dentro da rede. Assim, o IPTV dispensa o uso de satélites ou cabos e o trânsito do sinal de TV é feito totalmente via online, o que permite que qualquer dispositivo conectado possa ser usado para este fim. Além de tudo, não é preciso baixar o conteúdo antes para assistir. Ele é transmitido como qualquer serviço de streaming ou YouTube.
Para TVs mais velhas, o TV Box é um acessório que possibilita o acesso à internet. Uma boa ajuda para quem ainda não tem smarTV. O grande lance, no entanto, é que ninguém é obrigado a utilizar isso em uma TV, pois é possível disponibilizar os conteúdos no celular ou tablet.
Sobre a ilegalidade do TV Box e do IPTV, é preciso separar o joio do trigo. Primeiro, não é a tecnologia ou o serviço em si que são ilegais, pois existem aqueles que atuam dentro da lei. Chromecast, Xiaomi, Fire Stick e outros aparelhos licenciados que fazem a conexão de internet em TVs que não contam com internet. Além disso, conteúdos protegidos por leis de direitos autorais não são distribuídos de graça ou por valores muito abaixo dos praticados pelas empresas. Veja por exemplo serviços como a Netflix ou HBO Max, cujo funcionamento pode ser classificado como IPTV.
Não se trata de uma questão de beneficiar alguma marca ou empresa citada aqui, mas de explicitar o que é o correto – falando em termos legais. Se você se preocupa com isso, deve atentar para esses detalhes.
Resumindo, a difusão de conteúdo não autorizado pelos proprietários é pirataria. Sendo assim, é crime e coloca em risco os usuários por diversos motivos. Começa pelo fato de não haver com quem reclamar em caso de mau funcionamento.
Indo mais fundo, a proteção ao conteúdo audiovisual, como filmes, está descrita no inciso IV do artigo 7 da lei de direitos autorais. A interpretação é inequívoca, já que ali diz que todas as obras serão protegidas, independente do suporte ou de qualquer tecnologia atual ou que apareça depois. Isso inclui o IPTV, que não existia em 1998, quando a lei entrou em vigor.
Portanto, é crime! Comercializar esses aparelhos ou fornecer IPTV sem pagar as devidas licenças não é diferente dos “gatos” da TV a cabo. Só muda o procedimento e quem comete esses atos pode ser preso, embora seja difícil.
É preciso que haja uma vítima para que se configure crime. Onde ela está, então? Neste caso, os proprietários da obra, envolvendo criadores, estúdio que distribui, produtores e demais envolvidos diretos. O delito é previsto no Código Penal Brasileiro, artigo 184, com variantes a se observar.
A cópia de material protegido, visando lucro, tem pena de 2 a 4 anos em regime fechado, o que significa cadeia mesmo. A mesma punição é prevista para quem vende TV Box pirata ou conexões IPTV. Para quem monta as centrais clandestinas de distribuição de sinal IPTV, além de 2 a 4 anos em regime fechado, paga multa, pois criar estrutura de distribuição sem aval competente também é crime.
Centrais de distribuição de IPTV necessitam de uma licença da Anatel, órgão que regulamenta e fiscaliza as atividades em telecomunicações no Brasil. Ou seja, uma contravenção acaba sempre puxando outra.
Foi comentado anteriormente que é difícil haver uma prisão. O motivo é que a lei declara que, no caso da violação ou apropriação do bem privado, apenas os proprietários legais do conteúdo em questão são as vítimas. Por isso, só pode haver um processo se essas pessoas pedirem a abertura de um inquérito pelas autoridades policiais. Ou seja, sem denúncia formalizada, não há processo. Sem processo, ninguém é punido.
Voltando ao cenário da famosa região do centro paulistano. No meio de inúmeros produtores e revendedores de equipamento ilegal, que dinfundem material protegido por leis de copyright, como os – também inúmeros – verdadeiros proprietários descobririam cada um deles? Exatamente por isso que a lei é quase impossível de ser aplicada, mas isso não quer dizer que nunca acontece.
O movimento contra a pirataria é sério e segue em várias operações que buscam reprimir a prática. O que mais dificulta é que os contraventores estão sempre arrumando novos pontos de distribuição e trabalhando em novas formas de burlar a segurança dos conteúdos. É uma luta inglória, mas constante.
Se você ainda tem dúvida sobre se vale a pena adquirir coisas como essas, pense antes nos riscos. Digamos que você pague algum tipo de mensalidade, lembre-se que criminosos têm acesso ao seu número de cartão, seus dados bancários e pessoais. Não existe qualquer garantia de segurança, além do que, se você liga um aparelho não verificado em sua rede wi fi, também abre a porta da sua rede para pessoas suspeitas. Ser vítima de um golpe já é desagradável, mas imagine não poder denunciar, já que você também estaria implicado em prática ilegal.
Quem utiliza esses serviços se acha intocável, mas, além dos riscos acima, essas pessoas também não estão livres de penalidades. Já existem hoje programas que rastreiam IPs de quem baixa ou assiste conteúdo pirata. Empresas jurídicas que representam os proprietários acabam notificando essas pessoas e cobrando multas pelo uso indevido, com valores que não são nada leves.
Existem divergências sobre como enquadrar o usuário. Alguns argumentam que o ato poderia ser classificado como crime de receptação, artigo 180 do Código Penal. Mas esta é uma questão que ainda vai render discussões. O importante é que você tenha todas essas informações em mente para não se prejudicar no futuro.