Na última terça, 22 de junho, o Parlamento da Espanha aprovou um relatório que incentiva a regulamentação para o uso da cannabis medicinal. O documento, fruto de uma discussão de uma subcomissão do Congresso de Deputados, propõe o uso de derivados de cannabis para diversas doenças, como esclerose múltipla, câncer e algumas formas de epilepsia.
A proposta deve ser validada pelo Ministério da Saúde até o dia 28 de junho. Após isso, o setor governamental tem um período máximo de 6 meses para implementar a medida, sem precisar criar novas leis sobre o tema.
Isso significa que, dentro desses 6 meses, a Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos de Saúde precisa realizar esforços para disponibilizar no mercado farmacêutico os extratos e produtos preparados com a cannabis.
O documento ainda expressa que apenas o profissional de saúde deve prescrever os produtos derivados de cannabis ao paciente. Esses produtos devem ser vendidos apenas em farmácias, com exigência de prescrição médica por parte dos farmacêuticos. O objetivo é impedir o uso da cannabis fora de contextos terapêuticos, visto que a medida não abrange a utilização dos derivados no âmbito recreativo.
Apesar dessa ressalva, o relatório também indica que existe a possibilidade de aumento das indicações para outros tratamentos de doenças, desde que haja evidências sólidas de que a cannabis também é eficaz nesses casos.
Outro aspecto importante da decisão é a proposta de capacitação dos profissionais envolvidos. Isso significa que os médicos devem fazer um curso de cannabis medicinal ou equivalente para realizarem acompanhamentos aos pacientes da forma devida. Além disso, esses pacientes precisam estar registrados oficialmente em um sistema centralizado.
Na Espanha, a legislação autoriza a cannabis para o uso industrial e para a posse legal da substância em pequenas quantidades voltadas ao uso doméstico. Contudo, essa legislação varia de região para região. Em alguns locais, há previsão de multa e de prisão para as pessoas que descumprem a lei.
Com isso, a proposta visa unificar a legalização do uso da cannabis medicinal em todo o país, ampliando-o para uma parcela da população que busca o tratamento de doenças sérias, nas quais a substância se apresenta como uma grande aliada.
E como funciona o uso da cannabis medicinal no Brasil?
Desde 2015, o canabidiol tem autorização de uso por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso ocorreu devido à intensa pressão de famílias e grupos da sociedade civil que lutaram para que pacientes pudessem ser tratados com a substância.
Para obter uma autorização de uso, o cidadão deve preencher um formulário da Anvisa e apresentar uma prescrição médica que garanta a necessidade do consumo. O processo de cadastro e autorização do órgão costuma levar cerca de 20 dias, e o documento final tem validade de 2 anos.
Entretanto, o processo para obter a medicação não é tão simples, pois a Anvisa não fornece os produtos e boa parte deles são importados, o que encarece os remédios. Isso ocorre porque o plantio é proibido no país – exceto em alguns casos, que falaremos mais a frente -, então a forma de obtenção do canabidiol tem que ser feita por meio da importação.
Apenas em 2019 que o órgão regulador permitiu a venda de produtos e extratos da cannabis em farmácias, com o número de 18 medicamentos aprovados. No entanto, muitos estabelecimentos sequer realizam pedidos, visto que eles ainda são muito caros e a demanda é relativamente baixa.
Por que ainda há resistência ao uso da cannabis medicinal?
Há diversas barreiras e empecilhos para o uso da cannabis medicinal no Brasil devido ao desconhecimento das propriedades terapêuticas da substância, aliado ao estigma negativo que ela carrega indevidamente.
Em entrevista ao G1, Ivo Bucaresky, ex-diretor de um dos setores do Sistema Nacional da Anvisa que participou das discussões iniciais que culminaram na liberação do uso pelo órgão em 2015, declarou que os debates giravam em torno do uso recreativo da substância, o que gerava uma maior resistência.
Segundo Bucaresky, o plantio em larga escala não avança devido a uma discussão que alimenta o medo das pessoas em torno do uso recreativo. “Havia muita resistência de vários setores da sociedade, dos conservadores, de grupos achando que uma coisa tinha a ver com a outra, uso recreativo e medicinal”, declarou ao portal.
Ele ainda acrescentou que o assunto apenas avançou quando saiu da cúpula da Anvisa e percorreu setores da sociedade, incluindo os representantes políticos.
Outro aspecto que ajuda a explicar por que ainda há bastante resistência ao consumo medicinal da cannabis é que existe muita desinformação. Como pode se ver, a substância pode ser adquirida legalmente e há diversos estudos que comprovam sua eficácia, mas muitas pessoas insistem que ela traz malefícios e que é ilegal a utilização.
Em 2019, uma pesquisa encomendada pelo Senado Federal relatou que 90% dos brasileiros não têm contato com pessoas que usam cannabis para tratar problemas de saúde. Mais da metade da população sequer sabe dizer quais doenças podem ser tratadas com esses tipos de medicamentos.
Um dado interessante da pesquisa é que 79% dos brasileiros são a favor da distribuição dos remédios a base de canabidiol pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso significa que muitas pessoas têm ciência dos benefícios da substância para o tratamento de doenças, embora não saibam definir quais sejam.
Decisão do STJ simboliza avanço para cannabis medicinal
No dia 14 de junho, o Supremo Tribunal de Justiça permitiu o cultivo da cannabis para produzir o seu próprio remédio. Na decisão, a Sexta Turma do STJ concedeu a três pessoas um salvo-conduto que garante a produção artesanal do óleo da planta de forma caseira.
Nas palavras do ministro Rogerio Schietti Cruz, “milhares de famílias brasileiras ficam à mercê da omissão, inércia e desprezo estatal” devido à proibição do cultivo pessoal da planta para fins medicinais.
Essa decisão simboliza um avanço para que as pessoas possam ter alternativas mais baratas para utilizar o óleo e extratos da cannabis, sem precisar recorrer à ilegalidade. Desse modo, o Estado contribui para o bem estar de seus cidadãos e ajuda a combater a desinformação sobre a planta.