Como um jovem de apenas 19 anos montou sozinho, no meio da Segunda Guerra Mundial, empresa de transportes que se tornou uma das maiores do Brasil
A história econômica de cada país é feita por gente que não se intimida com dificuldades e, ao contrário, tira dessas, criatividade e força para superá-las. Este é o caso do mineiro Abílio Pinto Gontijo. O ano era 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, quando a gasolina estava racionada em boa parte do mundo, e também no Brasil. Com a audácia dos seus poucos 19 anos, o jovem comprou uma “jardineira” – como eram chamados os primeiros pequenos veículos para transporte de passageiros, e criou o que é hoje a Empresa Gontijo de Transportes Ltda, uma das principais do segmento de transporte rodoviário do Brasil.
Coragem não foi só o que ele precisou para adquirir e operar a jardineira em tempos tão difíceis. Abílio Gontijo planejava trabalhar, levando seus clientes de uma cidade a outra, para pagar o veículo. Mas a primeira dificuldade surgiu: como a gasolina existente teve de ser desviada para o esforço de guerra, e o prefeito que a distribuía cortou a cota dele, ele usou a criatividade. Conhecedor de mecânica, comprou álcool comum e adaptou o motor da jardineira para este combustível. Isto, muitos anos antes de o álcool chegar à indústria automobilística. Assim começou esta história de sucesso que completa agora 80 anos.
O cenário – “O transporte de passageiros no Brasil, país que até a metade do século passado teve economia rural, começou de modo rudimentar, com carroças e carros de boi – nem estradas havia”, contou o sr. Abílio, como ficou conhecido, em entrevista há 10 anos, quando a empresa completou 70 anos e ele, aos 89 anos de idade, ainda a presidia. “Quando criei a Gontijo, além das jardineiras para transporte de pessoas, caminhões destinados a carga também levavam gente, ficando conhecidos como paus de arara, pelas péssimas condições de acomodação”, lembrou-se ele.
Foi com a abertura das estradas, no governo de outro mineiro, o presidente Juscelino Kubitschek, e adiante, com as melhorias e asfaltamento das mesmas, que as pequenas empresas do setor começaram a formar equipes, a se estruturar e a ampliar sua atuação, segundo o empreendedor. O aumento da população das cidades tornou maior o número de passageiros, e a expansão da malha viária consolidou o transporte rodoviário como o principal modal do Brasil.
O crescimento – A Gontijo começou sua expansão em 1949, quando saiu de Carmo do Paranaíba, onde foi criada, para Patos de Minas, de onde fez sua primeira ligação com Belo Horizonte. Em 1965, com a industrialização do Brasil e o deslocamento da população das áreas rurais para as cidades, estabeleceu-se na capital mineira, onde mantém sua sede, e levou suas linhas para o Norte e Nordeste do Estado.
Na década de 70, ultrapassou os limites de Minas Gerais, chegando ao Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Em 1981, inaugurou seu centro administrativo e de manutenção dos veículos, o Parque Rodoviário Gontijo, em Belo Horizonte. Nos anos 90, seguiu se expandindo pelo País e começou a ganhar prêmios e reconhecimento por seus serviços.
Em 2004 comprou a também mineira Companhia São Geraldo de Viação, consolidando sua expansão. Hoje a empresa possui retífica e recauchutadora próprias, para atender a todas as suas necessidades. Todo veículo no término de viagem, e antes de iniciar a próxima, passa por revisão mecânica e de carroceria, incluindo assentos e sanitários – é o padrão da empresa para garantir a segurança dos clientes e motoristas.
Os números – Ao completar seus 80 anos, a Gontijo apresenta números que nem sequer poderiam ser sonhados, no início, por seu fundador. Sua frota de 1.032 ônibus transporta 5 milhões de passageiros por ano, número que equivale a duas vezes a população de Belo Horizonte, segundo prévias de atualização do Censo realizado pelo IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2022. Para levar tantas pessoas, a empresa roda o total aproximado de 127 milhões de km/ano.
A Gontijo atende 18 Estados brasileiros, além do Distrito Federal, disponibilizando online a compra de passagem de ônibus para Campinas e mais 316 linhas nacionais. Tem também uma linha internacional. Com todas, consome 42 milhões de litros de diesel/ano. Seus segmentos de atuação são o transporte de passageiros, de cargas e fretamento. Para cuidar de toda a operação, tem 91 garagens, 265 agências próprias e 600 terceirizadas para venda de passagens e conta com site e whatsapp próprios para a mesma finalidade, além de parceiros.
A empresa, que começou com uma única pessoa, seu criador, que era ao mesmo tempo o motorista, o cobrador, o mecânico e até quem fazia a limpeza da sua única jardineira, tem hoje 4.000 colaboradores trabalhando em todo o Brasil. Passou o tempo em que o fundador, na época das chuvas, carregava no veículo correntes, pás e picaretas para sair de atoleiros e lamaçais, e para reconstruir pontes e trechos de estradas arruinados pelas águas. O Brasil cresceu, se modernizou, sua economia ganhou corpo, se diversificou, e é hoje a maior da América Latina.
O futuro – Da época heroica de pioneirismo, em que cada passo na construção da empresa tinha de ser dado com cautela e muita determinação, ficou a cultura que se desenvolveu na Gontijo: a do foco no negócio, sem diversificar para outros setores da economia; a do atendimento às novas demandas de viagens da sociedade brasileira trazidas pelo progresso; a da estruturação financeira e reinvestimento de lucros no próprio negócio; a da melhora contínua da prestação do serviço, com a incorporação de novos equipamentos e tecnologias, sempre buscando maior conforto e segurança nas viagens; além da assimilação de conceitos contemporâneos, como o da não discriminação de qualquer espécie, e do respeito aos funcionários e ao cliente que, na visão do fundador, “é rei e assim deve ser tratado”.
A nova geração da Gontijo é composta pelos filhos do criador, todos com formação universitária, com passagem de aprendizado em vários setores da empresa e já dirigentes da mesma nos anos finais da vida do pai. Também os netos chegaram graduados em Universidades, e alguns já com pós-graduação. Todos continuam preservando aqueles valores. A admiração e afeto que nutrem pelo recém-falecido fundador, compartilhados pelos funcionários, sempre chamados por eles de colaboradores, fizeram da Gontijo exemplo raro de empresa familiar coesa e sem problemas de sucessão.
O futuro, na Gontijo, já começou. Passo a passo, como bem ensinou o sr. Abílio, e mesmo no meio da pandemia que afetou todo o mundo, a consolidação de cada etapa foi vista como vitória. Os mais recentes avanços tecnológicos da indústria automotiva, como os excelentes veículos Double Deckers, que aliam conforto e segurança, e as facilidades criadas pela Inteligência Artificial, como as câmeras inteligentes instaladas nos ônibus da frota que, com sinais sonoros, avisam ao motorista sobre perigos na estrada, já são parte do dia a dia da Gontijo, que também já monitora toda a sua operação em tempo real. Outros avanços virão, com certeza, nessa empresa que tem segurança e eficiência no seu DNA.